Nem todos na vida foram acompanhados por uma família zelosa e presente. Às vezes há até presença, mas falta contato, olhar, diálogo, falta a sensação de ser visto e de ser importante para o outro. A qualidade de nossas relações é o que mais importa. Muito comum é que na ausência busque se suprir a falta com valores materiais. Subverte-se o amor, os sentimentos, o cuidado da alma. Muito comum também é a ausência total ou uma presença prejudicial, que oferece modelos distorcidos, que fere e magoa.
Com tantas marcas, algumas pessoas se perguntam: "Como posso ser feliz? Como seguir em frente se tanto peso me prende ao passado?"
Mágoa é um peso mesmo, que nos faz afundar nas águas do sofrimento, do "não consigo", "não dou conta", "não posso confiar". Quanto mais mexemos na ferida mais ela dói. Mas se deixarmos de simplesmente "cutucar" e passarmos a tocá-la para lhe fazer os curativos necessários? O ardor será diferente? Talvez quem tenha sofrido a dor de suas feridas por muito tempo, relute de início, se encolha ou até reaja agressivamente. Porém, se der abertura, perceberá que, por mais que seja dolorida, a dor da limpeza, de passar os remédios e aplicar os curativos compensa, porque acaba por diminuir a dor constante do que está doente e sem cuidados. É dor menor do que simplesmente remexer a ferida.
As dores e as feridas que remetem às nossas raízes são realmente difíceis. Por isso mesmo, precisamos cuidar delas com maior carinho. Por vezes, se não tivemos figuras de cuidado é complicado sermos bons cuidadores para nós mesmos, é complicado nos respeitarmos, nos auxiliarmos. Porém dentro de todos nós há um centro que nos diz que precisamos e merecemos mais. Essa é nossa face cuidadora e saudável e que precisamos reconhecer, dando espaço para que ela se manifeste em nossa vida.
Não há fórmulas prontas de como curar nossas feridas e nos libertarmos de nossas mágoas. A busca por ajuda profissional e começar a fazer terapia pode ser um bom início de caminho. Assim podemos nos conhecer melhor, compreender nossa história e construir novas possibilidades. Além disso, existem muitas formas de nos cuidarmos que podem ser aliadas de nossa cura. Preparar nosso coração para conversas libertadoras, ir em busca das raízes, reconhecer que talvez o outro também seja uma vítima e colocar-se em seu lugar, estabelecer limites saudáveis, exercitar a vivência do agora sem se deixar confundir pelos medos do passado ? tantos caminhos possíveis que podem se complementar. Um passo de cada vez, iniciando por cuidar dos próprios sentimentos, reconhecendo-os e buscando auxílio para os próximos passos.
Toda planta precisa de raízes saudáveis para seguir seu crescimento. Alguns podem olhar para uma plantinha de raízes castigadas, pouco profundas, ressecadas e pensar: "Não tem mais jeito". Outros são capazes de reconhecer seu potencial adormecido. O solo pode estar sem nutrientes, a quantidade ou qualidade da água pode estar inadequada, talvez seja necessário fazer algumas podas, alguns ajustes. Mas ali está a base e o potencial de vida. As feridas mostram o que precisa ser curado. Conosco também é assim: precisamos olhar para nossas raízes e cuidar para continuarmos a crescer. As nossas marcas não indicam que não tem mais jeito, mas sim mostram o que precisa ser curado.
Se você tem marcas em suas raízes familiares, trate de reconhecê-las e cuidar delas. Olhe para suas raízes, não ignore sua importância, nem deixe que suas marcas determinem a impossibilidade. Elas são as bases e se você cuidar bem disso poderá seguir crescendo e se desenvolvendo, sem pesos que lhe joguem para baixo. Não é fácil, não é simples, mas é necessário. Acredite em seu potencial de vida!
Publicado em:
http://www.personare.com.br/revista/familia/materia/221/alguma-magoa-lhe-prende-ao-passado
Por Juliana Garcia
Psicóloga, psicodramatista, escritora, colaboradora da Revista Personare, coordena atividades voltadas para saúde e bem-estar no Espaço Revitalizar em Belo Horizonte-MG.
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